Proof-of-Stake não é equivalente a Proof-of-Work

Proof-of-Stake não é equivalente a Proof-of-Work

14/11/25Por Tomás MamedeTempo de leitura: 10 minutos

O debate entre Proof-of-Work e Proof-of-Stake coloca frente a frente dois diferentes mecanismos de consenso. Proof-of-Work é muitas vezes associado a desperdício energético, enquanto que Proof-of-Stake é celebrado como sendo eficiente. No entanto, por detrás das palavras, existe uma diferença fundamental mais profunda do que apenas eletricidade ou preferências no código. A diferença está entre o que é real e o que é imaginário; entre força e poder físico e poder abstrato; entre um mundo assente nas leis da física e outro governado apenas por crenças.


As leis físicas da verdade

Ao longo de toda a história da humanidade, qualquer sistema seguro sempre se baseou em custo físico real. Quer fosse através de muralhas de pedra, cadeados de ferro ou exércitos, as sociedades sempre se serviram de energia para tornar a exploração e o abuso uma ação com um custo associado elevado. Este princípio de “segurança através do custo” e da projeção de força é o que torna a realidade física auto suficiente. Se for necessário gastar tempo e energia ou se existe um risco associado a quebrar algo, então é porque essa coisa está ancorada nas leis da natureza e não na opinião de terceiros.

O mecanismo de Proof-of-Work da Bitcoin estende essa lógica à Era Digital. Ao invés de confiar em pessoas ou instituições para manter a ordem e a integridade, a Bitcoin exige trabalho físico real, medido em eletricidade e ciclos de CPU para registar nova informação. De facto, cada bloco registado representa consumo de energia, libertação de calor e aumento da entropia. Esse custo irreversível é o que liga os bits de informação da rede Bitcoin ao mundo real. Cada bit é prova de que energia, algo escasso, medível e impossível de falsificar, foi despendida. No fundo, prova de trabalho é prova de realidade.


Onde o software falha

Para compreender porque é que isso importa é importante perceber que o software comum vive num domínio de abstração pura, completamente isolado de restrições físicas. Não tem peso, fricção ou um custo real para ser executado. Isso torna software algo incrivelmente poderoso, mas também algo inerentemente inseguro, pois não existe um custo real para copiar, alterar ou transmitir bits de informação. Para além disso, software pode ser explorado ou abusado por aqueles que controlam o código.

O mundo moderno gira sob estes sistemas abstratos. Bancos, governos e redes sociais dependem destas hierarquias abstratas de poder, onde alguns privilegiados controlam o software que todos os outros têm que confiar e executar nos seus dispositivos. Estas hierarquias são muito semelhantes aos impérios antigos ou monarquias, na medida em que controlo é um jogo de soma zero onde um pequeno conjunto de indivíduos ou empresas tem todo o poder para ditar as regras. Por sua vez, todos os restantes têm que confiar que este pequeno grupo não irá abusar do poder que tem.


O software que obedece às leis da física

Foi neste ambiente em que a Bitcoin nasceu: um mundo dominado por administradores, cujos privilégios se sobrepõem à propriedade privada do resto da população. Proof-of-work foi a resposta de Satoshi Nakamoto a esta vulnerabilidade sistémica, dado que reintroduziu um custo físico no ciberespaço. Esse era o ingrediente que faltava para tornar a informação digital autossuficiente no que toca a segurança no ciberespaço.

Proof-of-Work restringe o software. Em vez de colocar a confiança em regras lógicas ou níveis de permissão de forma a prevenir o abuso, cada ação na rede Bitcoin tem um gasto energético associado. Para alterar o registo histórico da rede Bitcoin seria necessário realizar novamente todo o trabalho realizado pela rede, gastando a mesma astronómica quantidade de energia que foi aplicada para manter a rede em segurança. É por isso que ninguém consegue cooptar o sistema. Não se trata de confiança, mas sim das leis da termodinâmica.

Deste modo, Proof-of-Work converte watts em bits de informação. A energia capturada através da rede elétrica mundial é utilizada para manter segura informação no ciberespaço. Cada moeda de Bitcoin é uma fatura que prova e verifica que força e potência física real (watts) foi utilizada. Esta conexão ao mundo real é o que dá à Bitcoin a sua integridade, escassez e a sua veracidade.

Proof-of-work não é ineficiente. É intencionalmente dispendioso, porque essa mesma despesa é o que cria a segurança. O custo é essencial.


Proof-of-Stake: O retorno dos privilegiados

Por contraste, Proof-of-Stake elimina todo o custo físico, ao substituir o gasto de energia por um conceito abstrato chamado “stake” - privilégio atribuído por meio de software àqueles que possuem mais tokens. Quanto mais tokens uma pessoa tiver, mais poder tem para validar transações e ganhar a respetiva recompensa. Na teoria, este mecanismo é suposto ser mais eficiente. No entanto, na prática o que faz é recriar a mesma hierarquia baseada em confiança da qual à humanidade se está a tentar libertar há décadas.

Não existe nada de físico em stake, e não existe para lá da imaginação coletiva das pessoas. É um número arbitrário numa base de dados, que pode ser concedido ou revogado por quem escreveu o código. E como é algo imaginário, não pode ser verificado ou descentralizado da mesma forma física. Os utilizadores têm que confiar que as pessoas com mais stake não se vão juntar para censurar ou abusar do sistema.

Por outras palavras, Proof-of-Stake assenta em crenças. É uma aristocracia codificada em software; um feudalismo digital onde aqueles com mais riqueza controlam a rede.


A ilusão de eficiência

Apoiantes de Proof-of-Stake argumentam que este mecanismo de consenso é melhor para o ambiente porque utiliza menos eletricidade. No entanto, este argumento confunde eficiência com segurança. Da mesma forma que um carro que não usa combustível ou eletricidade não se consegue mover, um sistema monetário que não gaste energia para garantir a sua segurança, não é capaz de se defender de corrupção ou cooptação.

Eficiência sem segurança traduz-se em fragilidade. O objetivo de Proof-of-Work é tornar o abuso ou exploração do sistema demasiado custoso em termos energéticos e monetários. Ao remover esse custo, Proof-of-Stake traz de volta todos os problemas que a Bitcoin procura resolver: censura, centralização, captura e manipulação interna. Proof-of-Stake poupa energia sacrificando o único aspeto que faz com que dinheiro digital tenha valor: a sua incorruptibilidade.

Quando Ethereum transitou de Proof-of-Work para Proof-of-Stake em 2022, efetivamente, converteu-se de um sistema baseado em força e potência física para outro sistema baseado em poder abstrato. De um momento para o outro, a sua segurança deixou de estar suportada pelas leis da física e passou a depender da confiança num grupo de pessoas. Proof-of-Stake não resolveu os problemas de segurança de Ethereum; apenas os escondeu por detrás de novo vocabulário.


A lacuna física

A grande diferença entre Proof-of-Work e Proof-of-Stake não está na programação. Está na física. Proof-of-work opera com base em potência real medida em watts. Proof-of-stake opera com base em hierarquia. O primeiro impõe-se por si só, o segundo depende de si e de quem o constitui para perecer válido.

Quando um minerador que opera num mecanismo de consenso de Proof-of-Work ganha um bloco demonstra que gastou energia que não pode ser revertida. Por outro lado, quando um validador de Proof-of-Stake valida um bloco, demonstra nada mais do que a sua posição na hierarquia. Um gasta energia e impõe a verdade através da segunda lei da termodinâmica; o outro executa um ritual e impõe consenso através de crença e reputação. De facto, Proof-of-work mede a realidade, enquanto que Proof-of-Stake mede aprovação.

Estes dois sistemas não são comparáveis. É impossível para Proof-of-Stake replicar a segurança de Proof-of-Work da mesma forma que é impossível a um videojogo replicar gravidade. Um existe na realidade física e material do mundo, o outro existe apenas no mundo dos símbolos e da lógica.


Potência real vs Potência imaginária

Ao longo da história, as hierarquias humanas foram sendo construídas com base em poder abstrato. Títulos, fileiras e autoridade legal eventualmente colapsam sob o peso da corrupção que se instala nesses sistemas; e eventualmente são corrigidos através da projeção de força ou potência física através de revoluções, guerras ou simplesmente através da imposição da realidade sob a imaginação.

Proof-of-Work representa a mesma correção histórica no ciberespaço, e é uma forma da sociedade digital voltar a introduzir dissuasão física, ou seja, um custo real sob aqueles que abusam do seu poder através de software. Pela primeira vez, as pessoas conseguem defender os seus direitos à propriedade digital projetando potência física sob a forma de eletricidade ao invés de violência.

Por outro lado, Proof-of-Stake recria a mesma estrutura abusiva que diz tentar substituir, pedindo aos utilizadores para confiar em elites invisíveis que prometem não abusar do seu privilégio. Poder torna-se autorreferencial e circular, ou seja, aqueles que já têm poder continuam a adquirir e a consolidar mais. Ao longo do tempo, o sistema torna-se indistinguível das instituições que procurou disromper.


A Miragem da descentralização

Apoiantes de Proof-of-Stake adoram falar de descentralização. Mas descentralização que não pode ser verificada é indistinguível de centralização. Como “stake” é imaginário, ninguém consegue provar que não está concentrado nas mãos de apenas algumas pessoas ou instituições. Na verdade, no caso de Ethereum, a grande parte da oferta inicial foi pré-alocada a alguns insiders antes da rede ter sido lançada, o que torna a sua “descentralização” mais uma espécie de teatro.

Pelo contrário, a descentralização da Bitcoin pode ser verificada no mundo real. Os mineradores fazem barulho, gastam energia, emitem calor e não são fáceis de esconder. O consumo energético, que é muitas vezes criticado, é exatamente o que torna a Bitcoin transparente. Cada centro de mineração deixa uma pegada física, que torna difícil a centralização. Para alguém controlar a rede Bitcoin, teria que controlar a maioria da eletricidade alocada à rede, o que não só é pouco provável, como é também termodinamicamente proibitivo. Sem dúvida, Proof-of-Stake esconde onde se encontra o poder, enquanto que Proof-of-Work expõe-no.


O custo da liberdade

A ideia de que Bitcoin gasta energia falha em compreender o custo da liberdade. Liberdade sempre necessitou de energia: energia para resistir à coerção, defender a propriedade privada e para falar a verdade quando se propagam mentiras. Proof-of-Work é a expressão digital desse princípio e assegura que ninguém consegue controlar a rede sem pagar o preço físico proporcional.

Proof-of-Stake assume que a segurança pode ser mantida sem qualquer custo associado e que as pessoas irão permanecer bem comportadas e respeitadoras porque o software as manda. Isso é cegueira voluntária e pensamento ilusório. Proof-of-Stake escolhe ignorar milhares de anos de desenvolvimento e história humana que mostra que poder abstrato, que não pode ser verificado e escrutinado, termina sempre em abuso de poder.

Custo físico é o verdadeiro dissuasor de última instância. Sem ele, qualquer sistema se torna vulnerável a ser explorado por quem não tem qualquer problema em quebrar as regras.


Ligar o ciberespaço à realidade

A importância da Bitcoin vai para além do dinheiro. Proof-of-Work não serve apenas para verificar e validar transações, pois liga o ciberespaço à realidade física. Cada bloco minerado representa conservação de energia, tempo e verdade no domínio digital. É, realmente, uma ponte entre dois mundos. Pela primeira vez, bits de informação tornam-se verificáveis através do gasto de energia real.

De facto, através de Proof-of-Work, a rede elétrica global torna-se a placa mãe de um computador global distribuído que ninguém controla. A rede transforma eletricidade pura em bits de informação seguros e utiliza-os para preservar e impôr direito à propriedade digital sem necessitar de confiar em terceiros ou permissões. Esse é o primeiro passo para se ancorar novamente a Internet às leis físicas do Universo.

Por contraste, Proof-of-Stake permanece preso no mundo da abstração. É, sem dúvida, uma simulação de consenso governado pela mesma política humana que afirma transcender. Os tokens gerados nos sistemas que utilizam este mecanismo de consenso são tokens de fé e prova de que os seus utilizadores confiam no código e na integridade de quem o mantém e administra. Sem uma âncora física, Proof-of-Stake flutua no ciberespaço tal como qualquer outro sistema de crenças frágil, à espera de ser cooptado.


A verdade tem um custo

Uma grande lição que se pode retirar de Proof-of-Work é que a verdade nunca é grátis. Quer seja na disciplina da Física, na sociedade ou no ciberespaço, a realidade deve sempre ser paga com energia. Proof-of-work não desperdiça energia, mas gasta-a sabiamente em segurança, descentralização e honestidade, transformando eletricidade em integridade.

Proof-of-Stake é exatamente o oposto e assume que é possível ter segurança sem custo, consenso sem competição e dinheiro sem energia. Geralmente, estas borlas são sempre pagas mais à frente geralmente por aqueles que não têm poder nenhum. Num mundo de Proof-of-Stake todos os utilizadores têm que confiar que algumas elites, muitas vezes ocultas irão continuar a respeitar a regras do jogo.

A Bitcoin ensina que não existe justiça sem física. Apenas existe uma realidade; aquela em que energia é gasta como uma prova que não pode ser falsificada.


A convergência inevitável

À medida que a sociedade aloca mais tempo e recursos no ciberespaço, a necessidade de uma fundação física, estável e verdadeira torna-se mais evidente. Sem Proof-of-Work a Internet permanece um terreno fértil para manipulação por aqueles que mantêm e administram o código que os utilizadores executam nos seus dispositivos. Mas com Proof-of-Work, o ciberespaço ganha um sistema imunitário, uma camada de verdade que não pode ser alterada por decreto.

Sistemas de Proof-of-Stake continuarão a existir, tal como monarquias continuam a existir, mas dependerão sempre de crença e não de leis da física. Poderão oferecer transações mais rápidas, ser mais “amigos” do ambiente e proporcionar melhores experiências de utilização. Mas nunca poderão oferecer soberania, porque soberania depende da capacidade de cada um se defender a si próprio fisicamente, e não de forma metafórica.

Bitcoin volta a dar essa hipótese à humanidade, dado que permite a qualquer pessoa em qualquer lado projetar força e potência no domínio digital, possuir algo que não lhe pode ser retirado e verificar a verdade de forma independente sem ter que pedir permissão. A Bitcoin cria uma rede de projeção de força pacífica onde é possível resolver disputas e garantir os direitos dos utilizadores sem derramamento de sangue, convertendo eletricidade em consenso.


Não há segunda melhor

No final de contas, Proof-of-Stake nunca será Proof-of-Work da mesma forma que imaginação nunca será equivalente à realidade física. A primeira é reversível, arbitrária e corruptível. A outra é objetiva e final.

Acreditar que Proof-of-Stake pode substituir Proof-of-Work é acreditar que palavras podem substituir ações ou que lógica pode substituir as leis da termodinâmica. O mecanismo de Proof-of-Work da Bitcoin é global e alicerçado em algo que nenhum império é capaz de falsificar: energia. Michael Saylor diz que não “há segunda melhor”, não porque Bitcoin é perfeita, mas porque as leis da física não negociam.


Referências