Porque é que a Bitcoin tem valor?

Porque é que a Bitcoin tem valor?

28/11/25Por Tomás MamedeTempo de leitura: 15 minutos

A Bitcoin tem valor da mesma forma que qualquer serviço útil tem valor, ou seja, as pessoas querem aquilo que o serviço lhes oferece. Muitas pessoas ficam presas ao facto de não ser possível tocar fisicamente na Bitcoin e, como tal, pensam que Bitcoin não passa de algo digital sem valor intrínseco.

No entanto, a sociedade já vive num mundo onde a grande maioria das coisas que utiliza todos os dias são imateriais e não assumem uma forma física. Não é possível tocar ou sentir uma conta de Instagram, uma caixa de correio eletrónico ou uma subscrição da Netflix. Mas, mesmo assim, todas essas coisas têm valor, porque o serviço que oferecem é útil.

O mesmo acontece com a Bitcoin. Tal como uma conta de Instagram, a Bitcoin também não é algo físico. No entanto, fornece um serviço a que toda a gente pode aceder ao deter o ativo.


A Bitcoin como um serviço

Uma forma de entender Bitcoin é começando a pensar como se fosse um serviço a que as pessoas pagam para aceder.

Por exemplo, o Instagram é um serviço de redes sociais, que tem valor porque permite às pessoas conectarem umas com as outras, partilhar fotos e vídeos, enviar mensagens e criar um público que assiste aos conteúdos. Os utilizadores pagam por esse serviço com dinheiro, que lhes permite aceder a funcionalidades premium ou com os seus dados e atenção, permitindo às empresas comprar publicidade direcionada na plataforma.

Deste modo, o valor da Meta (a empresa mãe que controla o Instagram) depende do número de utilizadores que querem aceder ao serviço que fornece e do quão intensamente os seus utilizadores querem usar a aplicação. Se mais pessoas quiserem usar o Instagram e construir lá a sua marca o valor da empresa sobe. Se menos pessoas quiserem usar o Instagram o valor da empresa desce. E se ninguém quiser usar o Instagram o valor da empresa é zero.

Tal como o Instagram, fundamentalmente, a Bitcoin é também uma rede. Portanto, o valor da rede sobe ou desce consoante o número de utilizadores que participam nela. Quanto mais pessoas no mundo quiserem o serviço que a Bitcoin oferece, mais valiosa a rede e o ativo que nela circula se tornam. Se ninguém quisesse o serviço que a rede Bitcoin oferece, o valor de cada unidade seria zero.


Qual é o serviço que a Bitcoin oferece?

O serviço que a Bitcoin oferece é simples, mas incrivelmente poderoso. A Bitcoin permite que qualquer pessoa no mundo armazene e transfira valor na forma digital sem depender de nenhum governo, banco ou qualquer outro intermediário.

Mais especificamente, a Bitcoin oferece:

1. Dinheiro descentralizado: nenhuma empresa ou governo é capaz de controlar;

2. Pagamentos Peer-to-Peer: permite transferir valor globalmente para qualquer pessoa diretamente;

3. Resistência à censura: ninguém é capaz de bloquear uma transação válida, que siga as regras do protocolo e da rede;

4. Auto-custódia: qualquer pessoa pode ser o seu próprio banco e deter o seu próprio capital sem precisar de permissão ou de se registar;

5. Oferta Previsível e Limitada: só existirão 21 milhões de bitcoins para sempre;

Num mundo em que os bancos centrais expandem continuamente a oferta monetária, os governos acumulam dívida sem parar e elites não eleitas procuram introduzir CBDCs (moedas digitais de banco central), reforçando o controlo sobre a população através de IDs digitais e outras formas de vigilância, ter uma forma neutra, global e resistente à censura de guardar e movimentar dinheiro livremente torna-se um serviço de valor incalculável.

Essencialmente, com Bitcoin qualquer pessoa consegue ser o seu próprio banco e auto-custodiar as suas poupanças numa forma que ninguém consegue parar, inflacionar ou arbitrariamente confiscar, ao mesmo tempo que também consegue livremente transferir dinheiro para qualquer pessoa em qualquer parte do mundo.

Esse é o serviço que as pessoas estão a comprar quando adquirem Bitcoin.


A Grande Diferença

Com o Instagram ou qualquer outra rede social existe uma empresa por trás que fornece o serviço. Cada utilizador paga pelo serviço com dinheiro ou com os seus dados, mas a empresa pode mudar as regras de funcionamento do serviço de forma unilateral ou fruto de pressão externa, censurar os seus utilizadores ou terminar contas a qualquer momento.

Com a Bitcoin não existe nenhuma empresa por trás, nenhum CEO, nenhum suporte ao cliente e nenhum servidor central onde as pessoas se registam. Em Bitcoin não existe nenhuma subscrição. A única forma de aceder ao serviço que a Bitcoin oferece é voluntariamente comprando e segurando o ativo que circula na rede aberta a todos.

Com Bitcoin em auto-custódia não existe ninguém a quem seja necessário pedir permissão ou nenhum banco a que tenhamos que emprestar Bitcoin. É isso que torna a Bitcoin tão radicalmente diferente de qualquer banco tradicional digital.


São os utilizadores que sustentam o valor da Bitcoin

As pessoas muitas vezes perguntam: “O que é que sustenta o valor da Bitcoin?”. A grande maioria está acostumada a ouvir que algo é sustentado pela confiança no governo, ouro ou imobiliário.

No entanto, se olharmos com atenção para o dinheiro fiduciário moderno (euros, dólares americanos, etc) verificamos que não é sustentado por nada tangível. Para além da confiança nas instituições e na capacidade dos bancos centrais de criarem mais dinheiro para não falharem aos seus compromissos, aquilo que sustenta o dinheiro fiduciário são:

  • As regras do sistema;
  • As instituições e pessoas que impõe as regras;
  • E a vontade / disposição das pessoas o usarem;

A Bitcoin é semelhante, mas muito mais transparente. Aquilo que sustenta a Bitcoin é a rede de utilizadores que escolhem usar e proteger a rede monetária. Esses utilizadores correm nodes, constroem wallets e apps, investem em centros de mineração, educam outros e escolhem deter Bitcoin como forma de poupança.

E fazem isso porque querem usufruir do serviço que a Bitcoin oferece: dinheiro soberano e resistente à censura.

Se olharmos para a história e crescimento das redes sociais, como por exemplo, o Facebook, aquilo que a empresa mais queria no início era utilizadores, mesmo não estando a ter lucro. Os lucros viriam mais tarde, acreditavam eles, porque, primeiramente, o mais importante era a rede existir.

A Bitcoin é semelhante nesse aspeto. Começou por ser uma rede pequena, mas ano após ano continua a atrair mais utilizadores, desenvolvedores e mineradores que veem valor no serviço que a rede e o ativo oferecem.

À medida que mais pessoas usam Bitcoin a rede torna-se mais segura, a liquidez aumenta (o que facilita a compra e venda do ativo) e o valor de mercado de cada bitcoin aumenta também.


Escassez absoluta e procura crescente

A escassez absoluta da Bitcoin é uma outra peça importante do puzzle. Ao contrário do Instagram, da Netflix ou da Uber, a Bitcoin não é apenas uma rede ou serviço. É também um ativo escasso. E aqui está o ponto essencial: a Bitcoin é o único ativo monetário em que mais procura não consegue gerar mais oferta.

Se o mundo inteiro quisesse mais ouro e estivesse disposto a pagar 20.000 dólares por onça, passava a ser rentável explorar minas mais profundas, investir em novas tecnologias de extração ou ir buscar ouro a sítios onde hoje é economicamente inviável.

Na Bitcoin isso não acontece. Só existirão 21 milhões de bitcoins para sempre, e nenhuma autoridade central pode criar mais. Esse limite é imposto por milhares de nodes espalhados por todo o mundo que verificam cada bloco de transações e validam as regras, rejeitando qualquer tentativa de inflacionar a oferta.

Portanto, enquanto a procura por Bitcoin como serviço pode crescer à medida que mais pessoas se juntam à rede, a oferta de bitcoins não consegue crescer para satisfazer essa procura. Quando há um choque de procura, o sistema não responde com mais produção. Na verdade, o ajuste faz-se no preço.

Isso faz com que a dinâmica de “descoberta de preço” da Bitcoin seja única. Sempre que a procura aumenta de forma significativa, o preço sobe até ao ponto em que alguns detentores decidem vender. Ou seja, a “nova oferta” não vem de minas, fábricas ou impressoras monetárias, mas sim de quem já tem Bitcoin e está disposto a abdicar de uma parte da sua posição a um determinado preço. A cada ciclo, o mercado vai testando a que nível é que os atuais detentores de Bitcoin estão prontos para vender.

Há poucas coisas na vida em que mais procura não cria mais oferta. Uma delas é o tempo. Não interessa quão rico se é, não é possível comprar mais anos de vida. É precisamente essa finitude que dá valor a cada dia e que faz não adiar tudo para o futuro. A Bitcoin traz essa mesma lógica para o dinheiro: tal como a inevitabilidade da morte dá valor à vida, o limite dos 21 milhões dá valor a cada satoshi.

Deste modo, as pessoas que compram Bitcoin, para além de quererem soberania financeira e resistência à censura, também querem deter um ativo absolutamente escasso que, muito provavelmente, outros no futuro também irão querer e para o qual não será possível criar nova oferta quando o mundo finalmente acordar para a sua importância.


Descentralização e a qualidade do serviço da Bitcoin

Muitas pessoas imaginam descentralização como um interruptor: algo é descentralizado ou não. No entanto, descentralização é algo que é construído ao longo do tempo.

No início da rede, a Bitcoin era frágil. Era uma rede com poucos utilizadores, pouco poder de mineração e o software ainda era bastante experimental. Ao longo dos anos, algo muito importante começou a acontecer: mais pessoas começaram a correr nodes, a mineração tornou-se mais competitiva e globalmente distribuída, desenvolvedores reviram e melhoraram o código e comunidades e economias cresceram à volta da Bitcoin.

Assim, a descentralização emerge como fruto do crescimento da rede. Quanto maior a distribuição de nodes, mineradores e utilizadores, mais difícil se torna para qualquer entidade sozinha parar ou disromper a rede.

De facto, a descentralização é parte do valor da Bitcoin. Torna a censura difícil, torna a mudança de regras sem consenso da rede praticamente impossível e aumenta a confiança de que o limite de 21 milhões de unidades e outras regras serão respeitadas e mantidas perpetuamente.

Por outras palavras, à medida que a Bitcoin cresce e a descentralização aumenta, a qualidade do serviço que a Bitcoin fornece melhora e a rede torna-se mais resiliente, mais confiável, e mais independente de qualquer país, entidade, empresa ou grupo de utilizadores. Com tudo isso, a integridade da base de dados distribuída, que determina quem tem o quê, sai reforçada.

Em última instância, o dinheiro é informação, e quanto mais segura essa informação for, mais pessoas o escolhem e mais valioso se torna.


Conclusão

Grande parte do dinheiro já só existe como números em bases de dados, os governos enfrentam dívidas estruturais e são tentados a inflacionar as moedas, a vigilância financeira e o controlo estão a tornar-se mais fáceis e baratos e dinheiro programável na forma de CBDCs pode ser utilizado para controlar o que cada pessoa compra a qualquer altura e em qualquer lugar.

Neste contexto, uma rede monetária neutra, aberta, voluntária, onde não é preciso pedir permissão a ninguém e a que qualquer pessoa se pode juntar, já não é apenas uma curiosidade. Na verdade, é uma proteção contra controlo governamental e uma ferramenta de soberania individual.

A Bitcoin garante, ao nível do protocolo, o direito a poupar e transacionar com qualquer pessoa em qualquer lugar, desde que as regras da rede sejam seguidas e respeitadas. Nenhum gestor bancário, regulador ou político é capaz de contrariar isso de forma arbitrária.

Esse é o serviço que a Bitcoin, enquanto rede e ativo oferece, é por isso que as pessoas estão dispostas a pagar para ter o ativo, e é por isso que a Bitcoin tem valor.