
Mineração, Proof-of-work e Expansão das Energias Renováveis
O Debate sobre o Consumo Energético da Bitcoin
O consumo de energia por parte da rede Bitcoin tem estado, ao longo dos anos, no centro de debates ambientais. O mecanismo de consenso de Proof-of-work (ou prova de trabalho), que garante a segurança da rede Bitcoin exigindo que os mineradores executem tarefas computacionais intensivas, é frequentemente criticado por consumir grandes quantidades de eletricidade e, desta forma, contribuir para a emissão de gases de efeito de estufa.
De facto, os cabeçalhos de vários jornais e meios de comunicação social por vezes descrevem a Bitcoin como sendo uma tecnologia insustentável, muitas vezes comparando a quantidade de energia utilizada pela rede Bitcoin com a energia consumida por países inteiros. Isto contribuiu para que muitos governos em vários países respondessem com regulações restritivas e hostis para com a atividade de mineração.
No entanto, esta perspectiva encontra-se incompleta e é extremamente simplista. Deste modo, quando examinamos de perto as dinâmicas de energia da rede Bitcoin percebemos que existe muita nuance e que, quando aplicada corretamente e perante certas condições, a mineração de Bitcoin torna-se um catalisador para a expansão de energias renováveis, estabilização da rede elétrica e para a descarbonização.
Mineração de Bitcoin e Transição Energética
No centro deste debate encontra-se a relação entre a mineração de Bitcoin e a transição energética que está a ser levada a cabo por vários países. Globalmente, várias nações estão a procurar alcançar metas climáticas bastante ambiciosas, que inclui limitar o aumento de temperatura em 1.5°C, como especificado pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC).
Fontes de energia renováveis como solar, eólica e geotérmica são fundamentais nesta transição. No entanto, a sua integração nas redes elétricas atuais enfrenta desafios persistentes. Os maiores são a intermitência e a variabilidade; ou seja, a produção de energia solar e eólica muitas vezes atinge um teto máximo possível quando a procura é baixa, o que acaba por criar desequilíbrios entre a oferta e o consumo. Quando as redes elétricas não são capazes de armazenar e transmitir este excesso, a energia renovável produzida e desperdiçada sem ser utilizada para qualquer fim.
Para agravar esta situação, por vezes, acontece que muitos locais de produção de energia renovável encontram-se em locais isolados, fora dos centros urbanos, o que torna a transmissão de eletricidade cara e ineficiente. Em última instância, isto faz com que o retorno do investimento para a construção deste centros de produção de energia renovável demore a materializar-se. Estes obstáculos estruturais atrasam a adoção de fontes de energia renovável e os esforços globais de descarbonização.
Flexibilidade da Mineração e Integração com Energias Renováveis
O processo de mineração de Bitcoin está preparado para resolver muitos destes desafios. Ao contrário de muitas atividades industriais, a mineração de Bitcoin pode atuar como um recurso de carga flexível dentro dos sistemas energéticos, dado que a sua operação é altamente adaptável. De facto, centros de mineração podem ser ligados ou desligados em segundos sem causar qualquer disrupção à indústria ou atividade de mineração ou causar estragos no equipamento e hardware. Esta flexibilidade permite aos mineradores consumir o excesso de energia produzido pela rede elétrica durante períodos de excedente ou parar as operações por completo quando a rede enfrentar períodos de pico de consumo.
Para além disso, como a atividade de mineração de Bitcoin não necessita de estar fixa num local, as operações de mineração podem ser levadas diretamente para onde estão as infraestruturas de produção de energia renovável e utilizar a energia que, caso contrário, não seria utilizada e, por isso, desperdiçada. Deste modo, os mineradores de Bitcoin funcionam como compradores de último recurso, ao monetizar o excesso de energia que não tem mercado.
Tudo isto tem implicações transformadoras e revolucionárias para o desenvolvimento das energias renováveis. Em muitas regiões, instalações solares e eólicas geram bastante mais energia do que a rede consume durante períodos de baixo consumo, o que força os produtores a reduzir a produção e a perder receitas. Ao levar a mineração de Bitcoin para estas instalações, os produtores obtêm uma fonte adicional de receitas ao vender o excesso de energia aos mineradores de Bitcoin. Isto aumenta a rentabilidade e a viabilidade dos projetos de energias renováveis, o que incentiva a aplicação de capital neste tipo de projetos. Ao longo do tempo, isto criaria um ciclo de feedback positivo: mais infraestruturas de energias renovações atrairia mais mineradores à procura de energia barata, o que iria aumentar a atratividade das energias renováveis e acelerar a transição para energias limpas.
Novas Aplicações Ambientais e Modelos de Negócio
Para além deste papel de integração na rede elétrica, a mineração de Bitcoin também oferece soluções para a mitigação de metano na atmosfera, um fator crítico na mudança ambiental. O metano é 80 vezes mais potente do que o dióxido de carbono em termos do seu potencial para aquecimento. Uma grande quantidade de metano produzido por centrais petrolíferas e aterros é lançada para a atmosfera através de ventilação ou queima ineficientes. Unidades móveis de mineração de Bitcoin podem ser colocadas nestes locais de forma a converter estes gases em eletricidade que depois é utilizada para minerar Bitcoin.
Nos Estados Unidos da América este modelo cada vez ganha mais reconhecimento, com vários projetos a demonstrar grandes reduções na quantidade de metano que vai para a atmosfera. De facto, o volume de gás natural atualmente queimado excede a procura energética por parte de toda a rede Bitcoin, o que significa que integrar a mineração nestas operações pode compensar na sua totalidade a pegada ecológica da Bitcoin, ao mesmo tempo que contribuiu para a redução de emissões de gases nocivos para a atmosfera.
A mineração de Bitcoin também pode ser integrada com outras fontes de energia para além de renováveis. Por exemplo, centrais nucleares produzem um output constante independentemente das flutuações de procura, o que às vezes resulta num excesso gerado durante períodos de pouca procura. Ao colocar mineradores de Bitcoin em centrais nucleares é possível aos operadores monetizar a capacidade em excesso sempre comprometer a energia disponível para outros consumidores.
O mesmo acontece em barragens hidroelétricas em regiões com excessos sazonais. Nestes locais podem ser criadas parcerias com mineradores que absolvem energia em excesso não utilizada de forma a ajudar a estabilizar os mercados locais. Em todos estes exemplos, a mineração de Bitcoin atua como uma carga controlável e independente da localização, que melhora a eficiência energética e apoia diversos sistemas de geração de eletricidade.
De facto, modelos de negócio emergentes já estão a demonstrar o potencial económico de combinar a mineração de Bitcoin com a energia renovável. Os mineradores são colocados diretamente nos locais de produção de energia, ultrapassando assim as restrições de transmissão. Acordos de compra de eletricidade entre os operadores de energia renovável e os mineradores de Bitcoin criam uma fonte de receita previsível e podem incluir temos flexíveis que obrigam os mineradores a reduzir o consumo de energia durante alturas de pico. Em alguns casos, as empresas de energia estão a integrar mineração de Bitcoin verticalmente nas suas operações, de forma a aumentar os lucros tanto da produção de eletricidade, mas também sob a forma de ativos digitais.
A mineração com eletricidade produzida de gás queimado é outro modelo, também em crescimento, que simultaneamente gera receitas e reduz o dano ambiental. Estes modelos de negócio demonstram uma simbiose em crescimento entre a mineração de Bitcoin e os fornecedores de energia renovável, onde ambas as partes beneficiam economicamente, ao mesmo tempo que fazem progresso no seu objetivo de se tornarem mais sustentáveis.
Implicações e Desafios
As implicações ambientais destes desenvolvimentos são significativas. A mineração de Bitcoin pode impulsionar o crescimento de eletricidade descarbonizante através de dois mecanismos que se reforçam mutuamente. Em primeiro lugar, o efeito das receitas aumenta quando os mineradores compram energia renovável em excesso, o que melhora as projeções económicas e encoraja ao desenvolvimento de capacidade adicional.
Por outro lado, quando os mineradores naturalmente procuram fontes de eletricidade baratas e não poluentes, substituem e colocam de parte alternativas mais poluentes e não renováveis. Em conjunto, estas dinâmicas colocam a Bitcoin numa posição única para impulsionar a expansão das energias renováveis e a descarbonização da rede elétrica.
No entanto, estes benefícios não se materializam de forma imediata e é necessário ultrapassar vários obstáculos e desafios de forma a ser possível concretizar todo este potencial. A incerteza regulatória continua a ser uma dificuldade significativa e políticas inconsistentes colocam riscos acrescidos no investimento o que afasta a indústria da mineração para jurisdições que só conseguem oferecer eletricidade proveniente de combustíveis fósseis.
A percepção do público também coloca um obstáculo grande, dado que as narrativas dominantes em redor da mineração de Bitcoin são na sua grande maioria negativas. Principalmente, quando as narrativas são pagas e influenciadas por pessoas que não querem ver a Bitcoin ser bem sucedida e têm outras agendas escondidas. Um exemplo disto ocorreu em 2022, quando Chris Larson pagou 5 milhões de dólares à Greenpeace para espalhar desinformação acerca da Bitcoin e do seu impacto ambiental, de forma forçar uma mudança do mecanismo de consenso da Bitcoin de Proof-of-Work para Proof-of-Stake.
Para além disso, a indústria de mineração de Bitcoin compete com outras soluções que oferecem carga flexível e que procuram excessos de energia renovável, tais como baterias e produção de hidrogénio verde. A integração da mineração de Bitcoin irá necessitar de leis e regulações que encorajem a mineração com base em energias renováveis e que desencorajem práticas de mineração com base em combustíveis fósseis.
Perspetiva Final
Olhando para a Bitcoin por esta lente, o impacto ambiental da Bitcoin depende menos da quantidade de energia que a rede consome, mas sim da forma como usa a energia e a partir de onde é que essa energia é capturada. Quando os mineradores dependem de combustíveis fósseis, as emissões podem aumentar significativamente. Mas quando a mineração de Bitcoin é integrada com energias renováveis, é possível tornar os projetos mais rentáveis e reduzir a quantidade de eletricidade que é desperdiçada, estabilizar a rede elétrica e acelerar a adoção de energia limpa. Ao contrário de subsídios e mandatos governamentais, a Bitcoin introduz incentivos no mercado para a adoção de energias renováveis, alinhando motivações financeiras com objetivos climáticos.
Em vez de olhar para a Bitcoin como uma ameaça ambiental, esta perspetiva adota uma posição balanceada que permite compreender o papel que a Bitcoin pode desempenhar na transição energética. A Bitcoin tem qualidade únicas, nomeadamente, a usa interruptibilidade, portabilidade, escalabilidade e sensibilidade para os preços da eletricidade, que a tornam um excelente complemento intermitente para a geração de eletricidade renovável e fortalecer a rede elétrica moderna. Com os modelos de negócio corretos e com políticas inovadoras, a Bitcoin pode tornar-se parte da solução para o problema ambiental e transformar a forma como a energia é produzida, consumida e monetizada num mundo constantemente em mudança.